terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Nossa Senhora do Rosário do Cabo


Essa invocação da Padroeira do Canadá recorda-nos a perseverança que devemos ter nas situações adversas desta vida e, por meio de nossa fidelidade, atrair a bênção de Deus e a proteção da Virgem Santíssima.

A imagem que a imensa maioria das pessoas tem do Canadá está ligada à neve, a um intenso frio e muito gelo. De fato assim é, mas por vezes ocorre que, por permissão de Deus, o clima pode mudar e resolver situações difíceis.

O que no Brasil poderia causar uma certa graça, entretanto foi, no caso concreto, uma história muito real que começa em 1867. Naquele ano, a população da cidade de Cap-de-la-Madeleine era constituída apenas por 1.300 pessoas. Iniciara-se uma renovação na piedade da população. O pároco local, Pe. Désilets, criara uma confraria do Santo Rosário, na qual rapidamente inscreveram-se muitas pessoas, não só da cidade, mas também dos arredores, num total de 3.000 almas.

O crescimento numérico de católicos praticantes representou, para o zeloso sacerdote, um problema: era preciso construir uma igreja maior. A pequenina igreja edificada em 1714 não comportava mais o número crescente de fiéis. Mas, como fazê-lo? As pessoas da localidade não eram ricas, e, além do mais, o terreno era muito arenoso, havendo pouca pedra. Afinal, uma decisão foi tomada: construir-se-ia a nova igreja no início de 1879. Para isso, era preciso trasladar as pedras que se podiam obter do outro lado do rio. Transportá-las por barco seria muito custoso, e decidiu-se então que o transporte seria efetuado no inverno, quando o rio ficasse congelado. Entretanto, justamente naquele ano o inverno fora muito menos rigoroso, e o rio não congelara.

Chegou o Natal, passou o Ano Novo, terminou janeiro... e nada. Poder-se-ia ainda esperar, porque fevereiro também era um mês muito frio. Mas nada de congelamento. Considerando a possibilidade de passar mais um ano numa igreja apertada e sem condições para receber todos os fiéis, os católicos começaram a rezar o Rosário na intenção de que o rio se congelasse.

Iniciou-se o mês de março, e ainda nada. Se no inverno o rio não se congelara - pensariam os céticos -- dificilmente congelar-se-ia em março, início da primavera. Mas os católicos não desistiram. Afinal, Nossa Senhora é Rainha, e pode perfeitamente solucionar esses problemas.

Em meados de março, o Padre Désilets encontrava-se realmente preocupado. Não pela piedade do povo, que se mantinha firme rezando o Rosário em conjunto todos os domingos, mas por prever mais um ano em que permaneceriam em condições precárias as atividades do culto na igrejinha. Devido a isso, ele fez uma promessa a Nossa Senhora: caso a ponte de gelo se formasse, ele consagraria a pequena igreja à Virgem Santíssima.

Ao entardecer do dia 16 de março, o esperado prodígio ocorreu: o rio se congelou e formou-se uma ponte de gelo de uns dois quilômetros, suficientemente firme para permitir a passagem dos trenós carregados de pedras.

Foi enviado um aviso a todos os colaboradores, e entre os dias 19 e 25 de março uma centena de trenós transportou todas as pedras necessárias para a construção da nova igreja. Logo depois o clima mudou e a ponte de gelo - chamada pelos católicos a ponte do Rosário - se desfez.

Satisfeitos por verem a proteção de Nossa Senhora quanto à nova igreja, os fiéis começaram com entusiasmo a construção. E no início do verão de 1880 ela estava pronta. A cerimônia da bênção da igreja foi realizada pelo bispo de Trois Rivières, Mons. Louis François Laflèche. A velha igreja foi poupada, e, curiosamente, será esta a que atrairá multidões no futuro.

O milagre do olhar
Até aqui, poder-se-ia dizer que a narração constitui a piedosa história de uma paróquia. Nada de estranho que o virtuoso sacerdote cumpra sua promessa feita à Virgem e lhe dedique a velha igrejinha, no dia 22 de junho de 1888.

Ele tinha preparado uma grande festa e convidado um renomado orador, o padre franciscano Frederik Jansoone. Após a cerimônia, foi colocada no altar-mor uma imagem de Nossa Senhora, que antes se encontrava num altar lateral da mesma igreja. Assim, a pequena igreja de Santa Maria Madalena passava a chamar-se igreja de Nossa Senhora do Santo Rosário.

Terminadas as cerimônias de consagração da igreja, três pessoas ainda se encontravam rezando no templo: o Pe. Désilets, o Pe. Jansoone e Pierre Lacroix, uma pessoa portadora de deficiências físicas. (1) De repente, acontece um milagre, assim descrito pelo padre Jansoone: 'A imagem da Virgem, que tinha os olhos completamente baixos, abriu-os totalmente. Seu olhar estava fixo, olhando adiante, bem em frente. Uma ilusão era difícil, pois sua face encontrava-se plenamente batida pelos raios do sol, que entravam por uma janela e iluminavam todo o santuário. Seus olhos eram negros, bem formados e em plena harmonia com o rosto. O olhar da Virgem era o de uma pessoa viva e tinha uma expressão de severidade misturada com tristeza.

Este prodígio durou entre cinco e dez minutos'. (2) A visão desse portento mudou totalmente a vida do Pe. Jansoone. Ele dedicou desde então toda sua vida a propagar a devoção a Nossa Senhora do Rosário do Cabo e foi o primeiro diretor das peregrinações, que duram até os dias de hoje.

Lição: vida terrena é luta.
Algumas pessoas, ao tomarem conhecimento desta narração, prestam muita atenção no milagre dos olhos e se esquecem da ponte do Rosário. Parece-nos mais simpático o que acontece, por assim dizer, sem esforço. Com efeito, aquilo que é extraordinário chama naturalmente muito a atenção. O fato de Nossa Senhora nos olhar, sem termos que fazer qualquer esforço, é admirável. Mas rezar com perseverança, confiar quando o Céu parece fechado para nós, acreditar quando tudo parece perdido, eis o que é difícil. Tal perseverança na desolação é o que atrai, de modo especial, as bênçãos de Nossa Senhora.

A vida real não é um filme de Hollywood, com soluções mágicas e finais felizes. Não foi assim a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, e não podemos esperar que a nossa o seja, pois 'christianus alter Christus' (o cristão é outro Cristo).

A realidade da vida é o combate, conforme a Igreja nos ensina: 'Militia est vita hominis super Terram'.(3) Devemos, pois, ficar contentes quando fatos extraordinários se produzem, mas devemos sobretudo estar preparados para enfrentar com confiança, coragem e perseverança todas as adversidades da vida. Eis uma importante lição que podemos tirar da história da Padroeira do Canadá.

Notas:


3. Livro de Jó, 7, 1. Fonte: Valdis Grinsteins em 'Catolicismo' de janeiro de 2005



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